Fatores associados a obesidade na adolescencia.
A obesidade na adolescência é um fator preditivo da obesidade no adulto. Assim,
foram avaliados os fatores associados à obesidade e o uso do índice de
massa morporal (IMC).
Método Foram avaliados 391 estudantes aferindo-se: consumo de alimentos, hábitos
alimentares, características antropométricas dos pais e atividade física. O IMC
foi a variável dependente utilizada na regressão linear multivariada.
Resultados A prevalência de sobrepeso foi 23,9% para meninos e 7,2% para meninas. Fazer
dieta para emagrecer foi 7 vezes mais freqüente entre meninas do que entre
meninos com sobrepeso. Nos meninos, idade, uso de dieta, omissão de
desjejum, horas de televisão/”vídeo-game” e obesidade familiar apresentaram
associação positiva e significante com IMC. Nas meninas, associaram-se positivamente:
uso de dieta, omissão de desjejum e obesidade familiar e negativamente
idade da menarca. A correlação do IMC com medidas antropométricas
foi maior que 0,7.
Conclusões Um padrão estético de magreza parece predominar entre meninas e elas o atingem
com hábitos e consumo alimentar inadequados.
Trata-se de um estudo transversal, de amostragem
completa, com avaliação dos casos prevalentes de
sobrepeso entre estudantes de 15 a 17 anos matriculados
numa das escola privadas no Município de Niterói, Estado
do Rio de Janeiro, freqüentada por adolescentes da classe
média. Dentre as escolas com este perfil, a escolhida
foi identificada como a que oferecia melhor acesso ao trabalho
a ser desenvolvido.
Participaram do estudo 391 alunos, sendo 183 meninos
e 208 meninas. Todos os alunos foram convocados,
porém foram registradas 33 perdas decorrentes de faltas;
destas, 6 (1,4%) foi devido à recusa. A coleta de dados
consistiu na tomada das medidas de peso, estatura, dobras
cutâneas (tríceps, subescapular e supra-ilíaca) e perímetro
braquial, e na aplicação de um questionário de autoresposta
composto de: identificação, quantidade e freqüência
de consumo usual de alimentos (lista com 79 alimentos),
hábitos alimentares, características antropométricas
familiares e atividade física. O questionário foi pré-testado
em adolescentes de outra escola de classe média. As
medidas antropométricas foram tomadas por um único
pesquisador após padronização.
O peso foi medido utilizando-se balança eletrônica,
com os alunos sem calçados, usando roupas leves e sem
portar objetos pesados.
Para a aferição da estatura, uma
fita métrica plástica foi afixada na parede sem rodapé, e
a estatura medida com os estudantes de meias ou
descalços com auxílio de esquadro de madeira. Foram
realizadas três mensurações de cada aluno, tomando-se
a média das medidas.
Para determinação da prevalência de sobrepeso foi
utilizado o referencial do percentil 90 do IMC proposto
para população brasileira30 , com base nos dados da PNSN.
As dobras cutâneas foram obtidas utilizando-se um
plicômetro da marca Cescorf, pressão constante, tomadas
segundo padronização proposta8. Os adolescentes foram
avaliados de acordo com a localização em curva de
percentis das dobra triciptal e dobra subescapular, segundo
Shils e Young 28, os quais utilizaram como referência
os dados das crianças americanas brancas e negras a partir
do “National Center for Health Statistics”, e utilizando
o percentil 85 como ponto de corte para obesidade.
O perímetro braquial e a dobra triciptal foram utilizados
para o cálculo da área superior do braço(A), área
muscular superior do braço (M) e área de gordura superior
do braço (F)10. Os valores para o perímetro braquial
foram avaliados utilizado-se como ponto de corte o
percentil 90 como indicador de obesidade, a partir dos
dados de crianças americanas1.
A avaliação da dieta foi feita através de questionário
semi-quantitativo de freqüência de consumo alimentarpreviamente testado para adultos em uma população de
funcionários do Rio de Janeiro29 . O questionário, desenhado
para dieta brasileira, mostrou correlações com repetidos
recordatórios de 24 horas, também aplicados pelos
autores, similares àquelas obtidas em outros estudos
de validação de questionários de freqüência de alimentos.
Para sua utilização entre adolescentes este questionário
foi pré-testado em 15 escolares, e, em decorrência, foram
adicionados alimentos do tipo hambúrgueres e batata-frita,
e foram modificadas porções de alguns alimentos para
que se adotasse porções mais usuais para esta faixa etária.
O cálculo da ingestão calórica e composição da dieta
em energia, carboidratos, e gorduras foi feito por um programa
desenvolvido em SAS (“Statistical Analysis
System”)34 . A composição dos alimentos baseou-se no
Programa de Apoio à Nutrição, desenvolvido pela Escola
Paulista de Medicina com base na tabela americana de
composição química dos alimentos (“handbook, number”
8)25 , na tabela de composição dos alimentos utilizada pelo
Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF)11 e da
publicação de Pennington, em 1989, para as preparações
não contempladas nas tabelas anteriores24 .
A atividade física foi avaliada através de questões que
englobavam atividades de deslocamento para a escola,
recreação (especialmente assistir televisão e jogar
“videogame”) e esportes, quantificando o tipo, a duração
e a freqüência das atividades.
As atividades físicas foram agrupadas em três categorias
por grupos de atividades de acordo com a intensidade,
aqui chamadas de atividade 1, 2 e 3, o que
corresponderia a classificação leve, moderada e intensa,
segundo o “Recommended Dietary Allowances”21.
Foram registrados o tempo e freqüência dispensados a
cada atividade.
Foram, ainda, levantados dados relativos ao estado
nutricional dos pais, através de questão que incluía as seguintes
categorias em relação ao pai e a mãe: muito gordo,
gordo, muito magro, magro e normal. Estes resultados
foram correlacionados ao IMC dos adolescentes, após
serem agrupados nas seguintes categorias: 0, 1 e 2, respectivamente
para nenhum dos pais gordos; um dos pais
gordo; ou os dois pais gordos.
Para avaliação do grau de maturação sexual dos adolescentes
foi utilizada a idade da menarca para as meninas
e pelos axilares presentes ou ausentes para os meninos.
A
menarca tem sido usualmente utilizada nos estudos de
maturação sexual em meninas, estando relacionada à fase
final da maturação sexual2
. No caso dos meninos, o
surgimento dos pêlos axilares ocorre logo após o pico de
velocidade em estatura e precede o estágio final de
maturação sexual7
.
Os procedimentos estatísticos utilizados no estudo
foram: - para as diferenças entre as médias das variáveis
contínuas foi realizado o teste “t“de Student ou análise de
variância. Para as variáveis categóricas utilizou-se o teste
qui-quadrado ou o exato de Fisher. A análise multivariada
através de regressão linear foi escolhida, dado que o IMC
não apresenta, para adolescentes, um ponto de corte quedefina claramente o sobrepeso. Todos estes procedimentos
foram realizados com base no SAS, 198534 .
Todas as variáveis consideradas como possivelmente
associadas ao sobrepeso em adolescentes: sexo, idade,
maturação sexual, atividade física, horas assistindo televisão
ou jogando “video game”, ingestão alimentar, freqüência
às refeições, fazer dieta para emagrecer e ser descendente
de pais gordos, foram analisadas individualmente
em relação ao estado nutricional. As variáveis com associação
significante (p<=0,05) foram incluídas na análise
de regressão linear multivariada, com o IMC como variá-
vel dependente, pois os pontos de corte para o IMC em
adolescentes são meramente estatísticos, sem correlação
com desenlaces biológicos. Todas as análises utilizaram o
software SAS34 .
RESULTADOS
O IMC apresentou alta correlação com as outras
medidas antropométricas (Tabela 1). Embora
uma maior proporção de meninas (21,2%)
apresentasse valores de perímetro braquial acima
do percentil 90 da distribuição das crianças
americanas9 , quando comparadas aos meninos
(8,2%) o percentual daquelas com área de gordura
do braço acima deste percentil (8,1%) foi
inferior ao dos meninos (12,5%) (Tabela 2 ). A
proporção de meninos classificados com sobrepeso
foi superior à apresentada pelas meninas.
Os meninos também apresentaram maior
prevalência de obesidade avaliada pelas dobras
triciptal e subescapular (Tabela 2).
A idade média de ocorrência da menarca foi
de 12 anos e 3 meses, e a mediana foi de 12 anos.
Para as meninas com sobrepeso, a média de idade
da menarca foi de 11 anos e 5 meses, e para
aquelas classificadas como normais, 12 anos e 4
meses (p=0,002). O coeficiente de correlação de
Pearson entre o IMC e a idade de ocorrência da
menarca mostrou uma correlação negativa (r=-
0,20) e significante (p=0,004), ou seja, meninas com maiores valores de IMC tiveram menarcas
mais precoces. Na avaliação do grau de maturação
sexual dos meninos, apenas um, cuja
idade era inferior a 15 anos, não apresentava
pêlos axilares.
Em relação à prática de atividade física, os
adolescentes com IMC normal e os com sobrepeso
se distribuíram de forma bastante próxima. Nenhum
dos parâmetros avaliados mostrou associa-
ção significativa. A maior diferença foi para
percentual de meninos normais que não faziam
atividade física (Tabela 3).
A correlação entre o IMC e a freqüência semanal
de atividade para os meninos foi de 0,04
(p=0,60) e para as meninas, 0,17 (p=0,01). A correlação
entre o IMC e o tempo gasto para cada
sessão de atividade foi, para o sexo masculino, de
-0,08 (p=0,28), e para o sexo feminino, 0,09
(p=0,18). A correlação entre o IMC e o tempo total
semanal de atividades no caso dos meninos,
foi de -0,04 (p=0,57), e para as meninas, de 0,09
(p=0,16). A correlação entre IMC e horas diárias
de televisão/vídeo/”vídeo game”, para os meninos
foi de 0,14 (p=0,05) e para as meninas -0,018
(p=0,79). Este procedimento foi repetido em relação
à soma das dobras cutâneas, tudo sido encontrado uma correlação de 0,18 (p=0,01) para
os meninos, e 0,02 (p=0,76) para as meninas.
O consumo de nutrientes foi maior entre os meninos
e meninas normais em comparação com
aqueles com sobrepeso. O consumo de energia
(p=0,04) e de carboidratos (p=0,02) mostraram valores
significantemente maiores para os meninos
classificados como normais em relação aos com
sobrepeso (Tabela 4).
Maior proporção de omissão de desjejum foi
referida pelos adolescentes com sobrepeso, 13,6%
dos meninos e 18,7% das meninas (Figura 1). Observou-se
uma diferença significante entre os adolescentes
classificados como normais e com
sobrepeso, do sexo masculino, em relação à freqüência
diária de desjejum (p=0,04 associado ao
teste qui-quadrado). Para as meninas, a diferença
não foi significante (p=0,52), embora tenha sido
alto o percentual de meninas que deixavam de fazer
o desjejum. A Figura 2 mostra que 9% dos meninos com sobrepeso fazem dieta, enquanto
que, no caso das meninas, este número foi de
62,4%. Mesmo entre as meninas com peso normal,
24,3% fazem dieta para emagrecer; o que quase
não ocorre entre os meninos com IMC normal.
Quanto à aparência física dos pais, as médias
de IMC foram mais altas para os que possuíam
pais gordos (Tabela 5).
Diferentes modelos de regressão linear
multivariada foram construídos utilizando-se
como variável dependente o IMC (Tabela 6). Os
modelos 1 e 2 não incluem simultaneamente assistir
televisão e atividade física, dado que ambas
as variáveis referem-se à mesma medida. Incluindo
no modelo todas as variáveis significantes
na análise bivariada, assistir televisão continuou
associada ao IMC para os meninos, a menarca
manteve associação e a obesidade familiar também
manteve-se associada em ambos os sexos. Foi
testada ainda a interação entre fazer dieta para
emagrecer e consumo de energia, não sendo encontrado
nenhum resultado significante ou mudança nos demais coeficientes tanto para meninos
quanto para meninas.
DISCUSSÃO
Uma tendência secular de aumento da prevalência
de obesidade vem sendo referida em estudos
populacionais. Sorensen e Price33 estudaram o IMC
de 38.132 jovens dinamarqueses do sexo masculino
e identificaram o início deste aumento nas coortes
de nascimento a partir da década de 40. Gortmaker e
col.14 analisaram inquéritos americanos (NHES e
NHANES) nas décadas de 60, 70 e 80, e mostraram
aumento na prevalência de obesidade em crianças e
jovens (6 a 17 anos), o mesmo ocorrendo com a população
adulta16.
No Brasil, esta tendência também tem sido observada
na população adulta, haja visto os dados
comparativos dos dois inquéritos nacionais ENDEF,
em 1975, e PNSN, em 1989, os quais revelaram um
aumento da ordem de 56,3% nos homens e 39,7%
nas mulheres em relação ao sobrepeso; e, 92,0% nos
homens e 69,6% nas mulheres para a obesidade 32 .
Dietz e col.5 discutem os fatores de risco metabólicos
e epidemiológicos da obesidade infantil
enfatizando que a obesidade é o resultado da
interação entre a susceptibilidade do hospedeiro e
um meio ambiente que promova a doença. Segundo
esses autores, exceto para a associação entre obesidade
e horas assistindo televisão, as correlações
comportamentais permanecem não especificadas, e
o objetivo dos estudos desta década seria a identificação
e modificação desses comportamentos.
No presente estudo, nenhuma diferença significante
entre os indicadores que compuseram a
avaliação da atividade física (freqüência semanal,
tempo de cada sessão e tempo total semanal das atividades)
foi detectada comparando os meninos normais
e aqueles com sobrepeso. Contudo, horas assistindo
televisão associou-se positivamente ao IMC,
à semelhança do proposto para crianças americanas6
. Bradfield e col.1 não observaram nenhuma diferen-
ça significante entre os registros de 3 dias de atividade
física entre obesos e não obesos, todavia seu
estudo restringiu-se à meninas. Sunnergardh e col35,
apesar de não encontrarem correlação entre atividade
física diária e percentual de gordura corporal, registraram
uma tendência em direção a uma mais alta
percentagem de gordura corporal em crianças (8 a
13 anos) menos ativas do que nas mais ativas. Outros
estudos, porém em adultos, indicaram correla-
ções negativas19,26,27 entre IMC e exercícios. No presente
estudo, a correlação entre o IMC e a freqüência
semanal de atividade física em meninas foi de
0,17 (p=0,01) mostrando que as meninas com
sobrepeso praticavam atividade física com mais freqüência do que as meninas com peso normal. Esta
é uma limitação de estudos transversais como este,
uma vez que adolescentes que valorizam “o ser
magro” fazem mais atividade física e restringem o
consumo de alimentos. Por outro lado, o presente
estudo mostra que a baixa prevalência de sobrepeso
entre meninas pode ser decorrente, pelo menos em
parte, de maior atividade física. Comparando estes
dados com o inquérito realizado no Município do
Rio de Janeiro observa-se que a prevalência entre
os meninos foi próxima à encontrada nesse município,
enquanto para as meninas esta prevalência
foi de aproximadamente 50%3.
Os resultados da análise multivariada mostraram
que para os meninos o IMC aumentou com a
idade, o que segundo Obarzanek22 seria esperado
durante o crescimento. A idade não se associou ao
aumento de IMC entre as meninas estudadas, de um
lado porque elas se encontram em faixa etária de
crescimento reduzido e também porque as adolescentes
de Niterói demonstraram uma excessiva
preocupação com o manter-se magro. Fazer dieta
para emagrecer foi um dos mais importante fatores
explicativos para as variações do IMC nas meninas.
Para os meninos fazer dieta também foi positivamente
e significantemente relacionado ao IMC,
apontando maior uso de dietas nos valores mais altos
de IMC, embora o percentual de meninos que
tenha referido estar em dieta para emagrecer tenha
sido muito menor.
A idade da menarca no presente estudo foi também
um importante fator preditivo do IMC; estes
achados são consistentes com outros autores12,37.
Uma variável também associada às variações
do IMC foi a descendência de pais gordos. Os
maiores valores de IMC foram encontrados para
as adolescentes com história de adiposidade de ambos
os pais.
Um hábito muito comum entre os adolescentes é
omitir refeições. Esta atitude é referida por Tojo36
como um fator de risco nutricional para os adolescentes.
Nos dados do presente estudo, as meninas
omitiram mais refeições que os meninos, sugerindo
que mesmo aquelas com pesos normais lançam mão
do recurso da omissão de refeições para evitar o
ganho de peso. Porém, tanto entre os meninos quanto
entre as meninas, omissão do desjejum foi positiva e
significantemente associada ao IMC. Em concordância
com a omissão de refeições, o consumo de energia
relacionou-se inversamente com o IMC, mesmo
depois de ser ajustado para atividade física. Uma
outra possibilidade de explicação para esta associação negativa é a subestimação de consumo entre os mais gordos 17, principalmente em relação aos meninos.
Ortega e col.23 observaram em adolescentes obesos
subestimação da ingestão de alimentos ricos em
açúcar. Outra explicação provável é de que fatores da
dieta são mais importantes no início da obesidade, ao
passo que atividade física e/ou fatores metabólicos têm
importância na manutenção da obesidade17.
Em conclusão, a despeito do caráter restrito e transversal do presente estudo, os resultados indicam
que o IMC é um indicador de obesidade para
adolescentes e apontam a influência familiar e o
sedentarismo, particularmente dos meninos, como
importante fatores no desenvolvimento do sobrepeso.
Um padrão estético de magreza parece predominar
entre as meninas e elas o atingem com hábitos e consumo
alimentar inadequados.
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